No domingo passado, ouvi atento à homilia do padre explicando o milagre da multiplicação dos pães. A história é fácil de compreender. Os homens que seguiam Jesus eram muitos, mais de cinco mil. E chegou a hora de se alimentarem. Uns acharam que o melhor era fazê-los ir embora para que se virassem e comessem em suas próprias casas, ou arranjassem, de outra maneira, o próprio sustento. Jesus não concordou com essa lógica, embora fosse ela a mais fácil - deixar que cada um se virasse era melhor do que ter o trabalho de cuidar de todos. Jesus, com alguns peixes e poucos pedaços de pão, alimentou a todos e ainda sobrou. Além dos homens, serviram-se as mulheres e as crianças. E sobrou. A lição da partilha se repete em outras situações do cotidiano. Com coisas e com sentimentos. Poderíamos inverter a ordem. Partilhar sentimentos. Os melhores sentimentos. Fazê-los multiplicar.
Quais são os melhores sentimentos? Um dia desses, uma senhora me disse que havia cansado de ser boa. Que ninguém respeita uma pessoa boa. Que não quer passar por tola. Que iria dar um basta. Já ouvi de outro homem que cansou de ser honesto e que, se há no mundo tanta gente desonesta, por que ele persistiria sem negligenciar os ensinamentos éticos que bebeu no chafariz do seu pai? É comum que o traído não acredite mais na confiança, que o usado duvide da sinceridade do amor.
Há muita gente por aí multiplicando ódio. Discípulos da mentira fazem de tudo para mostrar que são todos iguais. Que a falsidade é matéria constituinte do que somos. Que o egoísmo nos leva longe. Longe onde? Certamente, longe de nós mesmos. Narciso olhou tanto para a própria imagem que perdeu os olhos e todo o resto. Os sentimentos egoicos nos enlameiam nos lagos toscos do falso poder. Multiplicarmos essas atitudes não nos leva aonde deveríamos estar.
Naquela relva, junto a Jesus, as pessoas confiaram no que haveriam de receber. O alimento da alma e do corpo. As histórias que ensinariam a escolher os caminhos corretos e o que comeriam. Sem pressa. Sem a tentação de acumular mais, porque poderia faltar depois. Apenas estavam ali, vivendo a multiplicação.
Sou daqueles que ainda acreditam nos exemplos, nos referenciais, nos que nos elevam por suas atitudes. Há mulheres e homens desconhecidos dos holofotes que multiplicam no seu cotidiano a bondade. Conheço líderes comunitários das periferias das grandes cidades que multiplicam a vida no cuidado das vidas que ninguém cuida. Chefes de famílias que são exemplos de retidão. Professoras e professores, cientes do poder de abrir as portas e apresentar o que há por vir, sem direcionar qual o caminho que devem seguir os seus aprendizes, preservando a autonomia. Respeitando a liberdade dos que têm o direito de protagonizar o próprio viver.
Conheço religiosas e religiosos que têm, na vida, uma inspiração de servir a Deus e ao seu próximo. Que encontram alegria nisso e que são livres multiplicando os dons para semear em terras nem sempre tão férteis. Mas prosseguem. Cantando a liberdade e agradecendo a escolha.
Conheço jovens que não se rendem ao prazer fácil, que prezam por suas vidas e que cultuam utopias. Enquanto há sonho, enquanto há indignação, a juventude não se esvai. Multiplicam eles as aspirações de mudar o mundo sem permitir que lhes abortem esses ideais.
Conheço gente que é gente e que gosta de gente. E, exatamente por isso, acreditam na travessia. Curta ou longa. Mas com significados. Multiplicam na vida a conjugação do verbo amar. E, exatamente por isso, são capazes de sentar nas relvas e aprender. Ouvir as lições do mestre e praticá-las. Ser também distribuidores dos alimentos que alimentam a vida e os viventes. Irmãos de caminhada.
Foi isso o que entendi daquela homilia e compartilho com vocês. Saibamos o que multiplicar. E não mudemos o rumo quando presenciarmos outros que, infelizmente, optaram por abandonar o belo e o bom, enfeando, com os exemplos e as palavras, esse pedaço do universo que nos foi dado de presente para construir a nossa morada.
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 02/08/2015.
POSTADO POR CHARLES MESQUITA.
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