domingo, 26 de julho de 2015

GLOBALIZAÇÃO DA INDIFERENÇA

 

    

Acompanhei o prefeito Fernando Haddad em um evento com o Papa Francisco, na última semana, no Vaticano. Estavam prefeitos e outras lideranças de várias partes do planeta.

     O Papa convidou a todos para refletir sobre a vida nas cidades e as consequências da globalização da indiferença. O encontro tinha como base a Encíclica Laudato si que traduz a voz do Sumo Pontífice sobre a Casa que é de todos.

     Nos pronunciamentos, o cenário de um mundo repleto de desafios. O prefeito de Roma falou do terrível comércio de órgãos para transplantes. A cada hora, um órgão é vendido no mundo. Pessoas pobres que retiram uma parte do corpo em troca de dinheiro. No comércio ilegal de órgãos, os rins representam 75%. A prefeita de Paris falou da responsabilidade que têm os países mais ricos em socializar a tecnologia com os mais pobres para que não destruamos ainda mais a natureza. Insistiu ela que os mais ricos gastaram, irresponsavelmente, os recursos naturais e, agora, querem exigir que os mais pobres não façam a mesma coisa. Para isso, é preciso ajudá-los. A recém-eleita prefeita de Madrid discorreu sobre as modernidades necessárias para que as vidas nas cidades sejam melhores. Juíza de carreira, ela insistiu nos exemplos que os governantes precisam dar para quem os elegeu. O prefeito de Medellín falou sobre o problema das cidades quando das expansões que segregam os mais pobres. Falou também sobre a importância da mobilidade e da requalificação dos espaços públicos. A prefeita de Gana ponderou sobre políticas afirmativas para as mulheres. Elas representam 65% da população e são vítimas de todas as formas de violência. O prefeito de São Paulo relacionou a melhoria das questões sociais com as questões ambientais, mostrando que é mais fácil lutar por aquilo que me atinge do que por aquilo que atinge aos outros. O meio ambiente é uma preocupação de todos. A fome não pode ser uma preocupação apenas daqueles que passam fome.

     Alguns depoimentos de vítimas da escravidão moderna emocionaram os participantes do evento. Meninas escravizadas para o sexo ou para o trabalho forçado. Vidas dolorosas covardemente usadas por outras pessoas.

     O papa Francisco, com uma simplicidade contagiante, falou dos seus sonhos de que os homens de boa vontade não permitam que os seus irmãos sofram. O tráfico de pessoas, a escravidão disfarçada dos nossos tempos, o uso irresponsável dos recursos que são de todos, e tudo isso agravado pela globalização da indiferença.

     O que é a indiferença? É o lavar as mãos, como fez Pilatos, para os problemas dos outros. É o egoísmo, um dos piores vícios do ser humano. É o acomodar-se diante do incômodo do outro. No mundo em que vivo, crianças são destruídas e eu não me importo; mulheres são violentadas e eu não me importo. Irmãos nossos morrem em travessias clandestinas para fugir das guerras ou da miséria de seus países. Fogem em busca de liberdade, em busca de paz. Alguns morrem na travessia. Outros encontram cenários por vezes tão perversos quanto aqueles que deixaram. Dores de alma. E os indiferentes preferem nem ouvir falar sobre isso.

     A globalização da indiferença aponta um pecado comum. Eu não quero cuidar do meu irmão. Porque me dá trabalho. Porque não tenho tempo. Porque tenho outras preocupações na vida. Então, o melhor é nem ficar sabendo.

     Mas a indiferença não mora apenas naqueles que nada fazem por um irmão que arranca um órgão do próprio corpo para vender a alguém, por necessidade de ter dinheiro. A indiferença também está na falta de compaixão com o meu próximo mais próximo. Aquele que vive comigo, que é meu pai, minha mãe, meu irmão ou a pessoa que trabalha na minha casa. Aquele com quem eu convivo no dia a dia da minha profissão. Ou o amigo que a vida me deu e que, por alguma razão, eu vou ficando indiferente à sua dor. E a dor é uma senhora insistente que visita todos em muitos momentos da vida. E como é bom quando há por perto quem socialize a amizade, a generosidade, o cuidar. Eis a vacina contra a indiferença. Um remédio poderoso chamado Amor. Mesmo que nos sintamos impotentes diante de tantas agruras que destroem cidadãos dos nossos tempos, façamos nossa parte.

     Descruzemos os braços e calcemos as sandálias para entrar no território sagrado do encontro. Encontremos quem de nós precisa – e há tantos – e, ao menos desses, cuidemos. É esse o primeiro passo para os outros que surgirão. O primeiro abraço em tantos que em nós poderão ver acesos os luminares da própria esperança.

     Voltei de Roma com este desejo. Persistir na determinação de não permitir que nenhuma força do mal roube a crença de que posso tornar o mundo melhor. Todo mundo pode.
A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum. (...) Nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se. (Laudato si – Papa Francisco)
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 26/07/2015

POSTADO POR CHARLES MESQUITA.

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